Especial Quaresma 27 – A Alma Humana Ferida – Parte II: A Concupiscência

O pecado permanece na carne humana: o homem está inclinado a ser mal. A isto chamamos de concupiscência. Nesta segunda parte do texto abordando superficialmente na teologia do pecado, vamos entender esse eixo motor que leva o homem sempre a pecar.

Passada a análise acerca da gravidade dos pecados, mostra-se necessário o exame acerca das razões que levam o indivíduo/humano ao sórdido caminho que nos afasta de Deus: a concupiscência, que são todas as formas de desejos humanos[1].

Primeiramente, é necessário reconhecer que a concupiscência não é natural do homem, mas decorre daquele pecado original, cometido pelos nossos primeiros pais no Éden.  Se não reconhecêssemos este fato, cairíamos em dois graves erros: que Deus criou o homem mal/defeituoso e que o próprio Cristo, por ser plenamente homem (e plenamente Deus) seria igualmente corrompido.

O homem foi criado bom e santo – plasmado no próprio Verbo Divino. Contudo, seduzido pelo maligno desde o começo da história, abusou da sua liberdade e corrompeu a natureza humana.[2] E assim, este pecado é transmitido a toda a humanidade por propagação, quer dizer, pela transmissão duma natureza humana decaída privada da santidade e justiça originais. E é por isso que o pecado original se chama pecado por analogia: é um pecado contraído e não cometido; um estado, não um ato.[3]

Em que pese o pecado original ser perdoado no Batismo, a natureza humana permanece débil. Afirma o Catecismo[4] que o batizado “tem de continuar a lutar contra a concupiscência”. São João distingue a concupiscência em três espécies: a concupiscência da carne (libido amandi), a concupiscência dos olhos (libido possidendi) e a soberba da vida (libido dominandi).[5]

A libido amandi é o apetite desordenado que “tem por objeto tudo o que pode fisicamente sustentar o corpo seja para a conservação do indivíduo, alimento, bebida etc., seja para a conservação da espécie, as coisas venéreas”[6]. Podem bem exemplificar o objeto dessa concupiscência tanto a gula quanto o sexo desordenado, a luxúria.

A segunda, a libido possidendi, é a “concupiscência animal, e tem por objeto as coisas que não se apresentam para a sustentação e o prazer da carne, mas que agradam à imaginação ou a uma percepção semelhante, por exemplo, o dinheiro, o ornato das vestes, e outras coisas deste gênero.”[7]

A terceira é a libido dominandi e consiste na soberba fundamental de querer ser igual a Deus[8]. Enraizada no irascível, essa libido deseja o bem enquanto algo árduo: “Quanto ao apetite desordenado do bem difícil, pertence à soberba da vida, sendo que a soberba é o apetite desordenado da excelência”.[9]

Perceba que já no Gênesis, na própria narrativa do pecado original[10], o autor sagrado já demonstra, exatamente, a tendência do homem a estas três libidines: “A mulher, vendo que o fruto da árvore era bom para comer [libido amandi], de agradável aspecto [libido possidendi] e mui apropriado para abrir a inteligência [libido dominandi], tomou dele, comeu, e o apresentou também ao seu marido, que comeu igualmente.”

Mesmo herdando tal maldita debilidade de seus primeiros pais, o homem precisa lutar contra as suas más tendências, movido sempre pela Caridade Divina e sustentado pela Sua Graça misericordiosa e santificante.

Em outras palavras, desconfiados de nós mesmos e firmados apenas no Pai, que nos ama infinitamente, devemos combater a concupiscência através da: i) virtude e pelo dom da castidade, pois a castidade permite amar com um coração reto e sem partilha; ii) pela pureza de intenção, que consiste em ter em vista o verdadeiro fim do homem, que seria Deus; iii) pela pureza do olhar, exterior e interior, iv) pela disciplina dos sentidos e da imaginação; v) pela rejeição da complacência em pensamentos impuros que o levariam a desviar-se do caminho dos mandamentos divinos; vi) pela oração.

 


 

[1] Catecismo da Igreja Católica, §2515

[2] II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 13: AAS 58 (1966) 1034.

[3] CIC, §405

[4] CIC, § 2520

[5] cf. 1 Jo 2, 16

[6] São Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II, q. 77, a. 5

[7] Ibid 4

[8] Cf.Ge. 2, 16-17.

[9] AQUINO. Op cit.

[10] Gn, 3, 6