Antes de adentramos na festa litúrgica celebrada no dia 30 de junho, precisamos entender um pouco sobre o martírio: “O martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé; designa um testemunho que vai até a morte. O mártir dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, ao qual está unido pela caridade”[1], em outras palavras, o cristão se dá, voluntariamente, por fidelidade ao Evangelho e a Cristo, sendo importante destacar que tal oferta está diretamente ligada a virtude da fé.
O Martírio, entrega livremente, testemunho firme e fiel a Jesus, pelo Reino de Deus, é uma imitação do próprio Cristo, que se entregou livremente para a salvação de cada um de nós. Jesus é o Mártir dos mártires, “visto que Jesus, Filho de Deus, manifestou Sua caridade entregando Sua vida por nós, ninguém possui maior amor que aquele que entrega sua vida por Ele e seus irmãos”[2].
Papa Bento XVI, durante audiência geral realizada em 11/08/2010, declarou onde se fundamenta o martírio: “A resposta é simples: na morte de Jesus, no seu sacrifício supremo de amor, consumido na Cruz, a fim de que nós pudéssemos ter vida. Cristo é o servo sofredor de que fala o profeta Isaías, que se entregou a si mesmo em resgate por muitos. Ele exorta os seus discípulos, cada um de nós, a tomar todos os dias a cruz que nos é própria e segui-lo pelo caminho do amor total a Deus Pai e à humanidade. O mártir segue o Senhor até ao fim, aceitando livremente de morrer para a salvação do mundo, numa prova suprema de fé e de amor”[3].
“O martírio é um grande gesto de amor, em resposta ao amor imenso de Deus”[4]. O mártir é, portanto, uma pessoa totalmente livre, que, desprendido, escolhe por um grande amor, e num único gesto definitivo entrega toda a sua vida a Deus, consequentemente, num soberano ato de fé, de esperança e de caridade, sacrifica a própria vida para ser associado de maneira total ao Sacrifício de Cristo na Cruz, fazendo com que, como disse Tertuliano (Apologético, 50,13), o sangue dos mártires continua a ser semente de novos cristãos, e será até a volta do Senhor.
Após esta breve introdução sobre o martírio, falaremos dos protomártires, que são os primeiros a ofertarem suas vidas pela sua fé católica, sendo celebrados pela Igreja neste dia 30 de junho, um dia após a solenidade de São Pedro e São Paulo.
“A Igreja celebra hoje muitos cristãos que, como atesta o Papa Clemente, foram trucidados nos jardins vaticanos por Nero após incêndio de Roma (julho de 64). Também o historiador romano Tácito em Anais diz: “alguns, cobertos com peles de feras, foram crucificados, em outros foram acesso o fogo ao anoitecer para que servissem de iluminação noturna””.[5]
A perseguição de Nero começou logo depois do incêndio de Roma, ocorrido em 19 de julho de 64 d.C. Naquela época, a comunidade cristã era vítima de preconceitos, fazendo com que fossem acusados de terem posto fogo em Roma e, a partir daí, passaram a serem odiados e terrivelmente perseguidos. Nero aproveitou o momento e começou a persegui-los, o que durou três anos, martirizando muitos cristãos, dentre eles, São Pedro e São Paulo.
O Papa São Clemente I escreveu: “Nos encontramos na mesma arena e combatemos o mesmo combate. Deixemos as preocupações inúteis e os vãos cuidados e voltemo-nos para a gloriosa e venerável regra da nossa tradição: consideremos o que é belo, o que é bom e o que é agradável ao nosso criador”.
“Não tenhais medo dos homens, pois nada há de encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja conhecido”[6]. Este texto Sagrado do Evangelho de São Mateus, nos exorta sobre a missão do católico de configura-se enquanto um alter Christus. Assim, a sublime imitação passa pela Cruz, pois o Mestre é claro ao dizer “Não tenha medo dos homens”. Ao passo que profere estas palavras, Jesus não nos chama para ficar escondidos e acovardados com medo do que os outros dizem, com medo da perseguição e dos contratempos, mas, sobretudo, nos impele a termos coragem e confiança filial em Deus à ponto que estejamos conscientes acerca da felicidade que se encontra em fazer sua Santa Vontade, pois no Evangelho de João, capítulo 15, versículos 18 e 19, assim está escrito: “Se o mundo vos odeia, sabei que, antes de vós, odiou a mim. Se fôsseis do mundo, ele vos amaria como se pertencêsseis a ele. Entretanto, não sois propriedade do mundo; mas Eu vos escolhi e vos libertei do mundo; por essa razão, o mundo vos odeia”.
Aqueles que estão dispostos a seguir verdadeiramente o Senhor, têm que ter em um coração fecundo de amor a Deus, vez que passarão por uma vida de uma “angústia” santificadora, tendo em vista que os enviados do Senhor deverão sofrer, “pegue tua Cruz e siga-Me”[7]. Este é o nosso chamado! Certamente, temos atuais, em geral, não precisamos derramar nosso sangue literalmente, contudo, é necessária uma nova forma de sacrifício, que vêm sendo chamada pela Igreja de “Martírio da Verdade”, introduzido na doutrina católica em face da ditadura do relativismo, a qual se nega a existência de uma verdade objetiva e perene, onde tudo passa a ser, então, relativo, exceto o próprio relativismo.
Contra esta ditadura, devemos, com nossas vidas, sermos sinais ao mundo sobre o dicionário da Verdade, que perpassa pelo Evangelho, pela tradição, pela vida dos santos e dos mártires, até chegar à conclusão de que a Verdade é o próprio Cristo, o qual devemos defender com nossas vidas. Desta forma, que nós apenas tenhamos medo de perder o Céu, de perder o amor de Nosso Senhor, não das tribulações: “No mundo tereis tribulações, tende coragem, tende confiança, Eu venci o mundo”[8]. Nós pregamos o Cristo, escândalo para o judeus e loucura para os pagãos, eis o motivo aqui o motivo de nossa perseguição.
Somos chamados diariamente a defender a Verdade, a guardamos a fé e a darmos testemunho, mesmo quando perseguidos ou ridicularizados. O Cristão é chamado a ser novo Cristo! Por intercessão dos Santos e dos Mártires, peçamos ao Senhor que inflame o nosso coração, para sermos capazes de testemunhar a Deus e a sermos verdadeiramente fieis e católicos.
[1] CIC 2473
[2] 1Jo 3, 16; Jo 15, 13
[3] PAPA BENTO XVI; AUDIÊNCIA GERAL; Palácio Apostólico de Castel Gandolfo; Quarta-feira, 11 de Agosto de 2010
[4] PAPA BENTO XVI; AUDIÊNCIA GERAL; Palácio Apostólico de Castel Gandolfo; Quarta-feira, 11 de Agosto de 2010
[5] Missal Romano
[6] Mt 10, 26
[7] Mt 16, 24
[8] Jo 16, 33