A Solenidade do Sagrado Coração de Jesus ocupa lugar na sexta-feira depois da Oitava de Corpus Christi[1] e, esta devoção, é tão forte quanto a do Imaculado Coração de Maria, celebrado no dia seguinte. Diferentemente do que se pode pensar, o Sagrado Coração de Jesus não é uma criação artística humana; mas, na verdade, uma Revelação feita pelo próprio Jesus Cristo a Santa Margarida Maria Alacoque[2].
Santa Margarida estava em adoração diante do Santíssimo Sacramento quando Jesus lhe apareceu pedindo para que ela divulgasse esta devoção. A Santa chegou, inclusive, a formar uma equipe de apóstolos com intuito de propagasse essa piedosa devoção. Portanto, em se tratando de uma imagem de origem divina, ela tem significados maravilhosos e profundos.
A espiritualidade do Sagrado Coração aparece em dois momentos distintos no evangelho: o gesto de São João, discípulo amado, encostando a sua cabeça em Jesus durante a última ceia[3]; e na cruz, onde o soldado abriu o lado de Jesus com uma lança[4]. Naquele, temos o consolo pela dor da véspera de sua morte; neste, o sofrimento causado pelos pecados da humanidade.
No evangelho, vemos que os soldados “ao se aproximarem de Jesus, e vendo que já estava morto, não Lhe quebraram as pernas; mas um soldado abriu-Lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água”[5]. O ato de quebrar as pernas dos crucificados era costume entre os romanos para que a agonia não fosse muito longa, e assim foi feito com os dois ladrões; mas, percebendo que Jesus já estava morto e que, de acordo com a lei romana, era preciso ter a certeza da morte antes de retirar da cruz, um soldado transpassou o lado de Jesus com sua lança, de onde imediatamente jorraram sangue e água[6] numa derradeira manifestação da misericórdia de Deus por nós.
Não há, portanto, meio melhor de adorar o Pai, o Filho e o Espírito Santo do que através do Coração de Jesus, que é o tabernáculo mais autêntico e substancial das três Pessoas da Santíssima Trindade. Deus nos amou de modo incalculável muito antes de dar-nos a existência. Considerando o mundo dos possíveis divinos, Ele escolheu a cada um de nós em particular, tendo-nos presente em sua Redenção.
Ora, sendo Deus o Supremo Bem, ao amar um ser, projeta sobre ele algo de sua Suma Bondade, pois “o amor de Deus infunde e cria a bondade nas coisas”[7]. Assim, foi dado a cada criatura humana o dom de refletir algumas das infinitas perfeições d’Ele de um modo irrepetível, inconfundível e próprio. E toda a vida espiritual da pessoa vai se ordenar com base nessa dádiva concedida por Deus para capacitá-la a, de alguma maneira, contemplá-Lo e espelhá-Lo já nesta Terra.
Na aparição a Santa Margarida, Jesus lhe disse: “Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada poupou, até se esgotar e se consumir para lhes testemunhar seu amor. Como reconhecimento, não recebo da maior parte deles senão ingratidões, pelas suas irreverências, sacrilégios, e pela tibieza e desprezo que têm para comigo na Eucaristia. Entretanto, o que Me é mais sensível é que há corações consagrados que agem assim”.
Ainda hoje, inúmeras vezes ferimos e ultrajamos o Sagrado Coração com nossas ações e pecados e presenciamos as mais diversas manifestações pelo mundo que O ferem gravemente. Seja por nossas quedas diárias em pecados que para nós são de grande proporção; ou até mesmo, nos míseros pecados veniais. Ainda assim, torna-se impossível deixarmos de nos sentir amados por Deus. Mesmo após termos rolado na lama do pecado, podemos contar com os infinitos méritos obtidos pelo Sacratíssimo Coração de Jesus durante sua Paixão, certos de que Ele tudo fará para nos resgatar.
Nossas misérias oferecem ao Coração de Jesus oportunidade de manifestar sua infinita bondade e seu incomensurável desejo de perdoar, redundando tudo em maior glória para Deus. Devemos, pois, nos encher de confiança e afastar a menor incerteza em relação ao amor do Criador por nós. Mas precisamos, sobretudo, ter um desejo ardente de nos entregar plenamente nas mãos da Divina Providência, sem jamais pensar em obter qualquer benefício pessoal desligado da Glória do Altíssimo.
Diante disso, que possamos reconhecer nossa fraquezas diante do Nosso Senhor Jesus Cristo, mas sempre com a certeza do seu Infinito Amor e Infinita Misericórdia, que nos querem sempre junto a Ele. Que possamos enxergar as grandes Graças alcançadas através desta Devoção, para assim chegarmos a uma união sagrada com Deus, amando-O como Ele nos ama.
[1] Foi um pedido feito pelo próprio Jesus em uma de duas aparições a Santa Margarida em 1675: “Eis este coração que tanto tem amado os homens. Não recebo da maior parte senão ingratidões, desprezos, ultrajes, sacrilégios e indiferenças. Eis que te peço que a primeira sexta-feira depois da oitava do Santíssimo Sacramento (Corpo de Deus) seja dedicada a uma festa especial para honrar o Meu coração, comungando, neste dia, e dando-lhe a devida reparação por meio de um ato de desagravo para reparar as indignidades que recebeu durante o tempo em que esteve exposto sobre os altares. Prometo-te que o Meu Coração se dilatará para derramar com abundância as influências de Seu divino amor sobre os que tributem essa divina honra e que procurem que ela lhe seja prestada.”
[2] Verosvres, 22 de Agosto de 1647 – Paray-le-Monial, 17 de Outubro de 1690, foi uma Monja Visitandina. Sua festa ocupa espaço no calendário universal à 16 de outubro.
[3] Cf. Jo 13,23
[4] Cf. Jo 19,34
[5] Jo 19, 33-34.
[6] A Tradição sempre viu neste sinal o sacramento do Batismo e da Eucaristia, os dois pilares da Igreja e, desta forma, veem também nesta cena o nascimento da Igreja. São sinais da Misericórdia e do amor de Deus pelos homens.
[7] Cf. Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino., lição, questão 20, artigo 2, co.