Arquivo da tag: Caridade

Reflexos de Salvação 60 – “Não recuso a Cruz; porque se recuso a Cruz, recuso Jesus.”

A festa litúrgica de Santa Gemma é celebrada no dia 11 de abril, quando, neste ano da graça de 2020, estaremos em pleno Tríduo Santo. Todavia, diante da história desta jovem Santa, vidente de Nossa Senhora e Nosso Senhor, que abraçou a sua cruz com grande amor e resiliência, não poderíamos deixar de aproveitar os seus magníficos exemplos para bem celebramos o mistério central de nossa Fé.

Nascida no dia 12 de março de 1878, em um povoado próximo a Lucca, na Itália, Santa Gemma Galgani viveu sua vida na terra como uma oferta de sacrifício a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Sua história foi marcada por grandes dores, como a perda precoce de sua mãe para a tuberculose e, mais tarde, de seu pai – após perder toda a fortuna -, quando contava com apenas dezenove anos. Órfãos, ela e seus irmãos viveram em condição de muita pobreza, fazendo com que aprendesse, desde cedo, que nada a pertencia, mas tudo era de Deus. Tamanho era o desprezo às coisas do mundo que, certo dia, perguntaram-na se tinha medo da morte, ao que prontamente respondeu: “Claro que não… já estou desapegada de tudo”.

Um dos grandes mistérios da vida de Santa Gemma – e que nos remete, por óbvio, ao mistério da Paixão – são os estigmas. Na véspera da festa do Sagrado Coração do ano de 1899, após uma aparição de Cristo e sua Santa Mãe à Gemma, foi-lhe concedida esta “grande graça” – assim dita pela própria mãe do Salvador: Jesus lhe concede o dom doas chagas, que se abrem dolorosas e sangrentas, toda semana, na noite das quintas-feiras e se fecham por volta das 15h do dia seguinte.

Entre tantos outros acontecimentos místicos que envolvem a vida de Santa Gemma, pode-se perceber, com clareza, a sua bela relação com a cruz e com a dor. Durante suas orações, chegou a suar sangue; no seu corpo, além dos sinais dos pregos, aparecem ainda as chagas da flagelação.

Mas precisamos ir além destes vívidos sinais e entender o que nos ensina, Santa Gemma Galgani, com a sua vida. Certamente, se o Senhor lhe concedeu os estigmas de forma visível[1], é para que, vendo, creiamos e nos convertamos. E a mensagem central da vida de Gemma é a cruz!

Na Quinta-Feira Santa daquele mesmo ano, antes mesmo de receber as chagas dolorosas de Jesus Crucificado, Gemma praticava no seu quarto a devoção da “Hora Santa em companhia do Senhor no Horto”. Enquanto o fazia, sentia uma profunda dor no coração por cada uma de suas faltas.

Terminada a oração, apareceu diante dela a figura de Jesus Crucificado, dizendo-lhe: “Filha, estas chagas foram abertas em Mim pelos teus pecados. Mas alegra-te, porque já as fechaste com tua dor. Não me ofendas mais. Ama-me como Eu sempre te amei”.

Poucos dias depois, o Senhor lhe apareceu novamente e lhe disse: “Olha, minha filha, e aprende como se ama. Vês esta Cruz, estes espinhos e cravos, estas carnes lívidas, estas contusões e chagas? Tudo é obra de amor, e de amor infinito. Eis até que ponto Eu te amei. Queres amar-Me verdadeiramente? Aprende então a sofrer: o sofrimento ensina a amar”.

Exortada pelo Senhor, enquanto pedia a Deus a graça de amar muito, ouviu uma voz sobrenatural que lhe dizia: “Queres sempre amar a Jesus? Não cesses de sofrer por Ele nem um momento. A Cruz é o trono dos verdadeiros amantes; a Cruz é o patrimônio dos eleitos nesta vida”.

São profundas e belas as palavras de Jesus a Santa Gemma e, auxiliadas por elas, podemos mergulhar ainda mais extraordinariamente no Tríduo Santo, no mistério da nossa redenção.

A Igreja nunca esqueceu que os pecadores – ou seja, nós todos – é que foram os autores, e como que os instrumentos, de todos os sofrimentos suportados pelo nosso Salvador[2]. A culpa profunda sentida por Santa Gemma enquanto rezava em seu quarto, e as palavras do Cristo, confirmando a sua responsabilidade sobre as Suas chagas nos apontam para a nossa própria participação na condenação do Divino Redentor. Partindo do princípio de que os nossos pecados atingem Cristo em pessoa[3], a sábia mãe Igreja não hesita em imputar aos cristãos a mais grave responsabilidade no suplício de Jesus.

Mais ainda, as palavras aparentemente duras do Senhor – “aprenda a sofrer” – desvelam, na verdade, a doçura e o amor de Deus por cada um de nós. Ao partilhar, no seu coração humano, o amor do Pai para com os homens, Jesus “amou-nos até ao fim”[4]. Assim, no sofrimento e na morte, a sua humanidade tornou-se instrumento livre e perfeito do seu amor divino, que quer a salvação dos homens[5].

É, justamente, o “amor até ao fim” que confere ao sacrifício de Cristo o valor de redenção e reparação, de expiação e satisfação. Ele conheceu-nos e nos amou a todos no oferecimento da sua vida e nós, como membros do seu corpo, podemos e devemos participar de seus sofrimentos – unindo as nossas cruzes àquele Madeiro derradeiro.

Sabemos que a Cruz é o único sacrifício de Cristo, mediador único entre Deus e os homens. Mas porque, na sua pessoa divina encarnada “Se uniu, de certo modo, a cada homem”[6], a todos dá a possibilidade de se associarem a este mistério pascal, por um modo só de Deus conhecido[7] e completarmos, em nossa própria carne, o que falta às tribulações de Cristo.[8]

Em tempos onde a morte e o sofrimento amedrontam, quando o mundo tenta nos convencer de que a busca incessante pelo prazer é o sentido da vida, tomemos como exemplo as virtudes dessa santa que, desde muito cedo, compreendeu que nada nos pertence, que se “o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica só”[9], mas que é morrendo que se vive para a vida eterna, e unamo-nos infinitamente a Cristo, para, em tudo, sermos um com Ele.


[1] Os estigmas podem se revelar fisicamente, ou não. São Padre Pio, por exemplo, recebeu os estigmas de forma invisível oito anos antes de que estes se manifestassem visivelmente.

[2] CatRom 1, 5, 11. p. 64: Cf. Heb 12, 3.

[3] Cf. Mt 25, 45; Act 9, 4-5

[4] Cf. Jo 13, 1

[5] Cf. Heb 2, 10.17-18; 4, 15; 5, 7-9.

[6] II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042.

[7] Ibid 6, 1043

[8] Col 1, 24

[9] Cf. Jo 12, 24

Reflexos de Salvação 58 – O Amor de Cristo nos impele!

1. Lei Suprema: Ação do Espírito Santo.

Devemos servir de forma consciente e livre como instrumentos dóceis nas mãos de Nosso Senhor. A função principal da vida espiritual do apóstolo é a obediência – fazer somente a vontade de Deus – com o maior despojamento que pode ter. É imprescindível nossa confiança na providência divina, na palavra de Deus: segui-me e farei de vós pescadores de homens. 1É muito grave quando nossa soberba se eleva ao ponto de pensarmos que nosso apostolado é, de alguma forma, mérito nosso. Não podemos jamais acreditar nisso, pois seremos levados à cegueira de nosso espírito. Toda autossuficiência e prepotência são consequências da falta de humildade e estado de graça.

É muito comum ouvirmos dizer que pregador fulano salva muitas almas, que a autora beltrana converte todas as pessoas que leem suas obras, etc. Alguns comentários como estes são feitos com um entendimento interpretativo, sem querer atribuir o poder de Nosso Senhor às pessoas, apenas com o intuito de enfatizar os frutos que a missão daquele pregador ou daquela autora vem trazendo. Entretanto, embora sejam despretensiosos, são tão costumeiros e estão tão enraizados que se tornaram perigosos. Aliás, atribuir às pessoas elogios no que concerne às competências exclusivas da autoridade de Deus é um equívoco que certamente não surgiu na contemporaneidade. É um deslize que sempre existiu e que está cada vez mais consolidado no mundo.

Caso insistíssemos nesse erro, cairíamos em sério pecado, pois atribuiríamos menos excelência a Deus e mais a nós. Bem dizia São Paulo, porque querer o bem está em mim, mas realizá-lo não. Isto confirma que Nosso Senhor é o gerador dos méritos dos homens bons, porque Ele é quem lhes institui dignamente a operação do bem, fazendo com que ajam para e com Ele. Nos fazendo meros instrumentos da vontade divina, seremos coadjuvantes de Deus, cooperadores do Espírito Santo. É importante esclarecer que o que está sendo efetivamente tratado é a falta de reconhecimento – e agradecimento – do que é consequência da ação do Paráclito, e em vista disso, tal reconhecimento é imprudentemente atribuído a feitos humanos.

Não obstante a benignidade enorme que existe na atitude evangelizadora de cada membro da Santa Igreja e da importância de cada ministério, carismas e dons, de modo algum devemos achar que simplesmente pregações, livros, canções ou qualquer obra realizada, seria de alguma forma o alicerce da salvação das almas. Como bem disse São João Paulo II, o verdadeiro protagonista de todas as missões é o Espírito Santo.2 Só a Graça pode dar valor de salvação às obras humanas. O apostolado, quando inundado da vontade de Deus, quando praticado pelo amor genuíno, sem nenhum estímulo egoísta, intenções fraudulentas ou interesse de adulação3, toca muito mais os corações e têm muito mais caráter corredentor do que as melhores técnicas de vendas e mecanismos publicitários de evangelização.

A pureza do amor cristão foi significativa, no mundo romano, para os pagãos que se maravilhavam ao deparar-se com a forma diferente de viver dos cristãos diante de uma sociedade promiscuamente adúltera. Com efeito, o que foi frutífero para os nossos antecessores, é hoje para nós.

O Espírito Santo é o autor de nossos méritos: Deus aplica a boa vontade nas nossas obras e as explica por sua boa vontade.4 Caso insistíssemos nesse equívoco, cairíamos em sério pecado, pois atribuiríamos menos excelência a Deus e mais a nós. Se apenas a nossa vontade fosse a responsável pelas obras, então haveria uma desnecessidade do próprio Espírito Santo. As pregações, as ministrações, os escritos existem e são verdadeiras realizações evangelizadoras, tal como um simples abraço ou um pequeno gesto também podem ser.

Já dizia Santa Terezinha, Apanhar um alfinete por amor pode converter uma alma. Que grande mistério!. O que Nosso Senhor quer de nós não são grandes obras e sim que amemos uns aos outros. É nesse sentido que muitas vezes, se manifestamos o amor e a caridade de Jesus, ainda que não deixemos explícito o motivo pelo qual o fazemos, estamos evangelizando.

A origem de nossa benevolência não precisa ser sempre exposta, inclusive, devemos ter cautela em como tratar os de fora; saber aproveitar as ocasiões para nosso apostolado com sabedoria, com conversas sempre amáveis e responder a cada um devidamente5 é infinitamente mais efetivo. Nosso dever, enquanto servos da vontade de Deus, é de Responsabilidade Cristã.

2. Responsabilidade Cristã.

Todos nós devemos sentir-nos responsáveis pela missão da Igreja, que é a missão de Cristo. Na tarefa de santificar a humanidade participam de algum modo todos os cristãos, pois há diversidade de ministérios, mas um só fim. O ato de Fé, no catolicismo, é algo intimamente ligado à apostolicidade. Por sua vez, o professar com a boca indica que a fé implica um testemunho e um compromisso público. O cristão não pode jamais pensar que o crer seja um fato privado. A fé é decidir estar com o Senhor para viver com Ele.

A fé, precisamente porque é um ato da liberdade, exige também assumir a responsabilidade social daquilo que se acredita, é o que nos diz o Papa Emérito Bento XVI na Carta Porta Fidei. Ainda, São Paulo em sua carta aos Romanos nos diz: Acredita-se com o coração e com a boca fazes a profissão de fé. Cabe a nós, portanto, testemunhar a nossa fé a serviço dos nossos irmãos.

O apostolado é como a respiração do cristão, não pode um filho de Deus viver sem esse palpitar espiritual. É inconcebível que na vida do católico haja alguém à sua volta que não ouviu falar de Cristo porque ninguém lho anunciou. Quem não tiver zelo pelas almas, quem não procurar propagar o Evangelho com ardor, não compreenderá o sentido apostólico da Igreja.

3. Atualidade da Chamada.

Muitos católicos acabam por estabelecer uma percepção equivocada, onde a chamada apostólica seria algo enfatizado por Jesus e São Paulo exclusivamente por conta das circunstâncias da época, de forma que, como hoje o cristianismo já foi proporcionalmente muito alargado, não seria uma necessidade atual. Certamente, não compreenderam absolutamente nada da fé que professam.

Primeiro, pois anunciar o Evangelho, como manifesto inúmeras vezes e de inúmeras formas diferentes na Bíblia, é a nossa missão imposta pelo próprio Cristo. Se cremos no evangelho, devemos conhecê-lo verdadeiramente para que isso torne-se intrínseco, como de fato é. Não é sobre ser o mais competente nem nada; trata-se de sermos, humildemente, obedientes ao chamado que Jesus nos confiou.

É nítida a falsa impressão de que não há urgência no ardor do apostolado, porque aparentemente “ser do bem” é o bastante. A Sagrada Doutrina da Salvação, de repente, é desnecessária, visto que exige dos fiéis uma conduta “muito antiquada para o mundo atual”. A Igreja, de diferentes formas, se perde ao longo dos séculos.

Devemos tomar posse de nossa missão, sempre pedindo o auxílio do Espírito Santo para entendermos o que cada alma precisa para ser edificada. Não permitamos que esse secularismo relativista que tem enfraquecido a Igreja consiga arruiná-la; honremos nossa Santa Mãe, defendamos Roma! Sejamos Porta da Fé: o amor de Cristo nos impele!

1Cf. Mt 1, 17

2Cf. São João Paulo II, Redemptoris Missio, n. 21

3Cf. 1Ts 2, 1

4Cf. Opusc, pg.99

5Cf. Cl 4, 5

Baú da Fé 52 – São Camilo, Os Camilianos, e a ajuda caritativa

Não é incomum vermos movimentos, pastorais e/ou de grupos jovens que procuram visitar e até mesmo ajudar a realidade dos mais necessitados entre o povo de Deus: os enfermos. Essa prática foi comum entre muitos santos da Igreja Católica servindo como instrumento de salvação e caridade para com o próximo. Entre esses santos podemos destacar: São Padre Pio de Pietrelcina, São Cipriano e São Camilo de Léllis.

Este último fora um italiano nascido em 1550 na cidade de Léllis, Itália, que por três vezes tentou participar de batalhas ao lado de seu pai, mas foi negado por conta de uma ferida aberta existente em sua perna que custava a cicatrizar. Isso ocorrendo, ficou desmoralizado e desempregado, entregou-se ao jogo e gastou o pouco que lhe restava até que, moribundo e sem ter onde morar e nem o que vestir, a Ordem dos Franciscanos o acolheu. Ele começou a servir no convento, mas foi impossibilitado de iniciar a vida religiosa como noviço capuchinho por conta de sua doença que mais uma vez o acometera.

Camilo foi mandado para o Hospital São Tiago, em Roma, e foi lá que encontrou sua verdadeira vocação, a missão que Deus o tinha designado, cuidar de cada enfermo como se fosse o próprio Cristo. A caridade tornou-se o lema deste santo e Nosso Senhor o inspirou a criar um grupo de homens que, como ele, tinham como objetivo cuidar dos doentes, desde dando-lhe de comer a confortar-lhes espiritualmente. Este grupo ficou conhecido como a companhia dos homens de boa vontade que, em 1591, após a autorização do Santo Padre foram elevados ao grau de Ordem Religiosa que hoje é conhecida como Os Camilianos.

Durante a Idade Média registram-se muitas fundações carismáticas religiosas de grande importância, tendo como objetivo principal a defesa e a cura da vida humana como ‘imagem e semelhança do Criador’. Essas fundações tinham também como grande preocupação salvar as almas. A Ordem fundada por Camillo de Lellis faz parte das fundações humanitárias e de Caridade Evangélica da Idade Média.

Atualmente, os camilianos estão presentes nos 5 continentes e são divididos em províncias para melhor adequar-se às necessidades de cada região. Uma curiosidade acerca do hábito utilizado nessa Ordem é justamente a presença de uma cruz vermelha que simboliza a fraternidade e missão de cuidar dos mais necessitados do povo de Deus.

                                   Oração a São Camilo de Lellis

Glorioso São Camilo, volvei um olhar de misericórdia sobre os que sofrem e sobre os que os assistem. Concedei aos doentes aceitação cristã, confiança na bondade e no poder de Deus. Dai aos que cuidam dos doentes dedicação generosa e cheia de amor. Ajudai-me a entender o mistério do sofrimento, como meio de redenção e caminho para Deus. Vossa proteção conforte os doentes e familiares, e os encoraje na vivência do amor. Abençoai os que se dedicam aos enfermos, e que o bom Deus conceda paz e esperança a todos. Amém.
                                    Pai Nosso, Ave Maria e Glória.
                                    São Camilo, rogai por nós!

Baú da Fé 50 – O Tesouro de Amor do Coração de Jesus

A Solenidade do Sagrado Coração de Jesus ocupa lugar na sexta-feira depois da Oitava de Corpus Christi[1] e, esta devoção, é tão forte quanto a do Imaculado Coração de Maria, celebrado no dia seguinte. Diferentemente do que se pode pensar, o Sagrado Coração de Jesus não é uma criação artística humana; mas, na verdade, uma Revelação feita pelo próprio Jesus Cristo a Santa Margarida Maria Alacoque[2].

Santa Margarida estava em adoração diante do Santíssimo Sacramento quando Jesus lhe apareceu pedindo para que ela divulgasse esta devoção. A Santa chegou, inclusive, a formar uma equipe de apóstolos com intuito de propagasse essa piedosa devoção. Portanto, em se tratando de uma imagem de origem divina, ela tem significados maravilhosos e profundos.

A espiritualidade do Sagrado Coração aparece em dois momentos distintos no evangelho: o gesto de São João, discípulo amado, encostando a sua cabeça em Jesus durante a última ceia[3]; e na cruz, onde o soldado abriu o lado de Jesus com uma lança[4]. Naquele, temos o consolo pela dor da véspera de sua morte; neste, o sofrimento causado pelos pecados da humanidade.

No evangelho, vemos que os soldados “ao se aproximarem de Jesus, e vendo que já estava morto, não Lhe quebraram as pernas; mas um soldado abriu-Lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água[5]. O ato de quebrar as pernas dos crucificados era costume entre os romanos para que a agonia não fosse muito longa, e assim foi feito com os dois ladrões; mas, percebendo que Jesus já estava morto e que, de acordo com a lei romana, era preciso ter a certeza da morte antes de retirar da cruz, um soldado transpassou o lado de Jesus com sua lança, de onde imediatamente jorraram sangue e água[6] numa derradeira manifestação da misericórdia de Deus por nós.

Não há, portanto, meio melhor de adorar o Pai, o Filho e o Espírito Santo do que através do Coração de Jesus, que é o tabernáculo mais autêntico e substancial das três Pessoas da Santíssima Trindade. Deus nos amou de modo incalculável muito antes de dar-nos a existência. Considerando o mundo dos possíveis divinos, Ele escolheu a cada um de nós em particular, tendo-nos presente em sua Redenção.

Ora, sendo Deus o Supremo Bem, ao amar um ser, projeta sobre ele algo de sua Suma Bondade, pois “o amor de Deus infunde e cria a bondade nas coisas”[7]. Assim, foi dado a cada criatura humana o dom de refletir algumas das infinitas perfeições d’Ele de um modo irrepetível, inconfundível e próprio. E toda a vida espiritual da pessoa vai se ordenar com base nessa dádiva concedida por Deus para capacitá-la a, de alguma maneira, contemplá-Lo e espelhá-Lo já nesta Terra.

Na aparição a Santa Margarida, Jesus lhe disse: “Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada poupou, até se esgotar e se consumir para lhes testemunhar seu amor. Como reconhecimento, não recebo da maior parte deles senão ingratidões, pelas suas irreverências, sacrilégios, e pela tibieza e desprezo que têm para comigo na Eucaristia. Entretanto, o que Me é mais sensível é que há corações consagrados que agem assim”.

Ainda hoje, inúmeras vezes ferimos e ultrajamos o Sagrado Coração com nossas ações e pecados e presenciamos as mais diversas manifestações pelo mundo que O ferem gravemente. Seja por nossas quedas diárias em pecados que para nós são de grande proporção; ou até mesmo, nos míseros pecados veniais. Ainda assim, torna-se impossível deixarmos de nos sentir amados por Deus. Mesmo após termos rolado na lama do pecado, podemos contar com os infinitos méritos obtidos pelo Sacratíssimo Coração de Jesus durante sua Paixão, certos de que Ele tudo fará para nos resgatar.

Nossas misérias oferecem ao Coração de Jesus oportunidade de manifestar sua infinita bondade e seu incomensurável desejo de perdoar, redundando tudo em maior glória para Deus. Devemos, pois, nos encher de confiança e afastar a menor incerteza em relação ao amor do Criador por nós. Mas precisamos, sobretudo, ter um desejo ardente de nos entregar plenamente nas mãos da Divina Providência, sem jamais pensar em obter qualquer benefício pessoal desligado da Glória do Altíssimo.

Diante disso, que possamos reconhecer nossa fraquezas diante do Nosso Senhor Jesus Cristo, mas sempre com a certeza do seu Infinito Amor e Infinita Misericórdia, que nos querem sempre junto a Ele. Que possamos enxergar as grandes Graças alcançadas através desta Devoção, para assim chegarmos a uma união sagrada com Deus, amando-O como Ele nos ama.

[1] Foi um pedido feito pelo próprio Jesus em uma de duas aparições a Santa Margarida em 1675: “Eis este coração que tanto tem amado os homens. Não recebo da maior parte senão ingratidões, desprezos, ultrajes, sacrilégios e indiferenças. Eis que te peço que a primeira sexta-feira depois da oitava do Santíssimo Sacramento (Corpo de Deus) seja dedicada a uma festa especial para honrar o Meu coração, comungando, neste dia, e dando-lhe a devida reparação por meio de um ato de desagravo para reparar as indignidades que recebeu durante o tempo em que esteve exposto sobre os altares. Prometo-te que o Meu Coração se dilatará para derramar com abundância as influências de Seu divino amor sobre os que tributem essa divina honra e que procurem que ela lhe seja prestada.”

[2] Verosvres, 22 de Agosto de 1647 – Paray-le-Monial, 17 de Outubro de 1690, foi uma Monja Visitandina. Sua festa ocupa espaço no calendário universal à 16 de outubro.

[3] Cf. Jo 13,23

[4] Cf. Jo 19,34

[5] Jo 19, 33-34.

[6] A Tradição sempre viu neste sinal o sacramento do Batismo e da Eucaristia, os dois pilares da Igreja e, desta forma, veem também nesta cena o nascimento da Igreja. São sinais da Misericórdia e do amor de Deus pelos homens.

[7] Cf. Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino., lição, questão 20, artigo 2, co.