Aproveitando que ontem foi o dia de São João da Cruz, voltaremos, hoje, a falar sobre o livro de sua irmã na fé, Santa Teresa d’Ávila. No primeiro texto em que falamos sobre Castelo Interior (“Entra no Castelo”), entendemos que as primeiras moradas do “nosso castelo” são descobertas através da oração. Através dela, é possível entendermos e reconhecermos nossas fraquezas de forma mais fácil e clara, abrindo-nos para a ação de Deus.
Continuando o caminho rumo ao centro do castelo, precisamos passar pelas segundas moradas. Essas, segundo Teresa, são as moradas dos que já começaram a ter vida de oração e sabem que não basta permanecer nas primeiras moradas. Contudo, aqui surge a primeira grande dificuldade: mesmo sabendo da necessidade de prosseguir, é preciso abandonar as situações de pecado e de desvio.
Por saberem da necessidade de prosseguir, o trabalho se torna muito mais árduo nesta etapa. Não se está mais como nas moradas anteriores em que não se sabe de nada, mas existem, agora, chamamentos por parte de Deus, que se dão através de boas leituras e homilias, dos trabalhos e situações do dia a dia, das doenças e, também, das próprias experiências de oração. A autora compara os que estão nos primeiros aposentos a surdos-mudos no trabalho de manter silêncio, ou seja, têm facilidade, pois não ouvem e não tem como falar, já os segundos, ouviram e entenderam, mas não podem falar. Sendo assim, muito mais desejável o trabalho dos últimos, pois puderam ouvir, porém é preciso esforço para guardar o silêncio.
Como se já não bastassem as nossas próprias inclinações e as dificuldades encontradas neste ponto, os demônios começam a querer nos confundir e isso ocorre de maneira sutil e disfarçada. É comum às almas nesta fase que se tenham na mente falsos cuidados pela saúde diante das penitências ou estimas excessivas por coisas e pessoas, mas que, pelo excesso, não são salutares. Aqui, é preciso às almas verdadeira perseverança! O olhar fixo no centro do castelo, a consciência da paz e da segurança só encontradas ali e a certeza do encontro com o Hóspede dão à alma a razão e a força para perseverar.
Confiante e auxiliada pela graça de Deus, para a alma, duas outras coisas são fundamentais nesta etapa: buscar e conviver com pessoas que estão passando por ela ou já passaram, pois podem transmitir experiência e força; e a humildade de entender que este é só o começo, quando se inicia a construção de um precioso e grande edifício. Ainda não é, portanto, o momento do gozo, mas, novamente, de perseverança, de abraçar a Cruz e aceitar, com amor, a aridez das orações.
Neste ponto, usaremos as palavras da própria Teresa para introduzi-los: “Sua Majestade sabe melhor, o que nos convém; não temos de Lhe aconselhar o que nos há de dar, pois pode com razão dizer-nos que não sabemos o que pedimos. Toda a pretensão de quem começa a ter oração (e não vos esqueça isto, pois importa muito) há de ser trabalhar e determinar-se e dispor-se, com quanta diligência puder, a fazer conformar a sua vontade com a de Deus; e – como direi depois -, estai bem certas[1] que nisto consiste toda a maior perfeição, que se pode alcançar no caminho espiritual”.
Ela, neste ponto, quer nos alertar para a inclinação de querermos sempre que nossa vontade seja feita, mas ainda estão estas almas no princípio da construção do edifício, não se sabe pedir, o que pedir, nem como pedir. Para isso, deveremos pedir somente uma coisa: que o Espírito Santo peça por nós.
Por fim, nossa querida Santa Teresa nos adverte com qual tranquilidade devemos lutar contra nossas faltas. Neste momento, Deus permite, muitas vezes, que as almas caiam para experimentar da própria miséria para que, ao levantar, tirem daí ainda maior bem. Se assim não fosse, talvez não tivessem as almas consciência da sua fraqueza. Mas um mal deve ter atenção: o abandono da oração. Teresa enfatiza que a única solução é retomá-la, não existe outra saída, pois sem ela não podemos entender a vontade de Deus.
É perceptível a importância desta fase, eis que é a hora que se testa a perseverança, o quanto a alma está disposta a chegar ao centro do Castelo. Também se vê como ela reagirá diante das suas quedas e fraquezas e do reconhecimento da sua pequenez. Sejamos perseverantes! Aceitemos e agradeçamos pela dependência que temos do Pai, soframos agradecidos a aridez e as cruzes que temos que enfrentar, pois o Hóspede nos aguarda ansioso no aposento principal![2]
[1] Teresa escreveu dirigindo-se às freiras do Carmelo
[2] Santa Teresa d’Ávila, Castelo Interior, Segundas Moradas