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Acreditamos no Amor que conhecemos

As virtudes teologais são aquelas que, infusas de forma sobrenatural pelo próprio Deus em nossas almas, dispõem os cristãos para viver uma verdadeira relação com a Santíssima Trindade, capacitando-os a viver como filhos: aqueles que agem de acordo com o bem, não motivados pelo medo ou recompensas, mas sim pelo amor d’Aquele que manda1. Apesar disso, elas não nascem em nós no seu estado mais puro e perfeito, mas nas condições necessárias para que cresçam e cresçamos nelas. Pelos atos de esperança, crescemos na Esperança; pelos atos de caridade, na Caridade; pelos atos de fé, na Fé. O próprio Santo Agostinho de Hipona afirmava: os crentes fortificam-se crendo2.

A virtude da fé vem fazer com que acreditemos plenamente na Verdade do Cristo -Aquele que um dia encontramos e é uma Pessoa viva – derramada nas Escrituras e na própria doutrina da Igreja. Não basta, portanto, entender. É necessário crer, tendo a fé como um dom que extrapola a nossa tão limitada razão e cria raízes no mais íntimo de nós por meio da graça. É ter a capacidade de dizer como São João: Nós conhecemos o amor de Deus e acreditamosnele3.

No entanto, vemos que a fé não caminha sozinha. Como já nos exorta São Tiago em sua epístola: uma fé sem obras é uma fé morta. “Mostra-me a tua fé sem obras e eu te mostrarei a minha fé pelas obras”4. Não se pode deixar que essa virtude caminhe apenas no campo das ideias e seja, assim, infrutífera: é necessário traze-la à prática e uni-la à caridade, para que elas se completem em nós. “Na medida da sua livre disponibilidade, os pensamentos e os afetos, a mentalidade e o comportamento do homem vão sendo pouco a pouco purificados e transformados, ao longo de um itinerário jamais completamente terminado nesta vida”5.

A fé só se desenvolve, amadurece e torna-se alimento para a nossa alma se for exercitada por meio da vida íntima de oração e meditação daquilo que nos foi revelado por ela. Essa vivência não é algo reservado a uma elite, mas é algo acessível e até recorrente a todos nós que buscamos viver na vida da graça. O ato de fé consiste em duas etapas, por assim dizer, operadas pela graça divina: a iluminação da nossa razão a respeito de uma verdade sobrenatural em que já cremos e o mover da nossa vontade para que amemos mais a Deus, que não se conforma com uma fé inoperante6. Quando alicerçada na caridade e comunicada como uma experiência de graça e alegria, a fé cresce e expande os nossos corações tornando-os fecundos.  A fé nos convida a viver um amor cada vez mais verdadeiro e generoso.

Quando vividade forma profunda, essa virtude nos traz a luz capaz de vencer a escuridão das dúvidas humanas. Ora, não há outra possibilidade de se adquirir alguma certeza sobre a própria vida, a não ser entregando-a de modo progressivo e abandonado nas mãos de um Deus que é Amor7. Ao vivenciar essa fé que nos derruba do cavalo e nos cega das nossas antigas certezas, é arraigada em nós a Luz que é Cristo e passamos a ser próprios portadores dela. Ao manter a fé viva, mantemos acesa a chama dos candelabros que somos, tornando-nos capazes de iluminar não apenas os nossos próprios caminhos, mas os de todos a nossa volta. A luz da nossa fé – se verdadeira – transcende e irradia em todas as direções da nossa vida cotidiana tornando-se, em nós, o testemunho do Deus vivo em que cremos.

1-São Basílio Magno, Regulae fusius tractatae, prol. 3: PG 31. 896

2- De utilitate credendi, 1, 2.

3-  1Jo 4,16

4- Tiago 2, 18

5-  Bento XVI, Carta Apostólica sob a forma de motu próprio Porta Fidei

6- Padre Paulo Ricardo – O Ato de Fé – https://beta.padrepauloricardo.org/episodios/o-ato-de-fe-i

7- Bento XVI, Carta Apostólica sob a forma de motu próprio Porta Fidei

Baú da Fé 61 – De Omnipotentia Dei

Existem diversos atributos que podemos chamar de divinos: Eternidade, Imutabilidade, Onipresença, Infinitude – todos, características essenciais do nosso Deus. No entanto, apenas uma destas condições aparece no credo e são logo as suas primeiras palavras: Deus é todo-poderoso!

Unicamente a onipotência de Deus é nomeada no símbolo apostólico. Poderíamos, de forma superficial, afirmar que o credo assim o faz pois irá falar, em seguida, da criação, obra do poder universal de Deus. Porém, deixaríamos de compreender que confessar esta onipotência é de grande alcance para a nossa vida de fé.

Podemos dizer que a onipotência de Deus é universal, amorosa e misteriosa. Universal, pois Ele tudo governa e tudo pode; amorosa, pois provém de um Pai; e misteriosa pois apenas pela fé podemos a descobrir quando ela atua plenamente na fraqueza.

Ora, se Deus tudo pode, porque Ele se faria pequeno, submisso às suas próprias criaturas, fazendo-se homem? É necessário, aqui, defender a santa estultice do amor de Deus, que não escolheu pronunciar uma palavra de força, mas percorrer o caminho da impotência, para pôr o nosso sonho de poder, tão humano, na berlinda e vencê-lo a partir de dentro.

Mesmo assim, ainda poderíamos nos questionar o porquê de Deus nos permitir participar do sofrimento, onde num simples estalar de dedos, poderia nos fazer as criaturas mais felizes do universo. Desta forma, acaso não esqueceríamos um pouco demais da conexão entre cruz e esperança, da unidade entre o Oriente e a direção da cruz, entre passado e futuro que existe no cristianismo?

Só a fé pode aderir aos caminhos misteriosos da onipotência de Deus. Esta fé gloria-se nas suas fraquezas, para atrair a si o poder de Cristo. Desta mesma fé, é modelo supremo a Virgem Maria, a toda pura que aceitou o plano sobrenatural de Deus, concebendo o salvador e o entregando a morte. Ela é, sim, espelho para os fiéis, pois acreditou que, a Deus, nada é impossível, mesmo diante da cruz, e, assim, pôde proclamar a grandeza do Senhor.

Deste modo, não seria apenas a própria criação o motivo pelo qual a onipotência é o único atributo divino nomeado no Credo, mas tudo o que seguidamente nos propõe para crer: as coisas maiores, as mais incompreensíveis, bem como as mais sublimes e mais acima das leis ordinárias da Natureza! Basta que a nossa razão tenha a ideia da onipotência divina; basta que confessemos, como Jó, que sabemos que Deus tudo pode e que, para Ele, nada é impossível, para admitirmos, facilmente e sem hesitação alguma, todas as verdades da nossa fé.

Reflexos de Salvação 57 – Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo: Festa da Cátedra de São Pedro

A Festa da Cátedra de São Pedro ocupa espaço no calendário litúrgico em 22 de fevereiro. Celebrada desde o século IV, para recordar a sede do papado em Roma, esta Festa tem como evangelho aquele em que Pedro reconhece Jesus como o Cristo em um profundo ato de Fé. Somos hoje convidados, com toda a cristandade, a mergulhar neste mistério tão profundo e divino.


EVós, quem dizeis que eu sou?[1] Jesus dirige esta pergunta aos discípulos depois de questiona-los sobre o que diziam sobre o Filho do Homem, já que muitos achavam que o próprio  Jesus era João Batista, Elias, Jeremias ou um dos profetas. O grande protagonista é Pedro, que responde a segunda pergunta com aquela que ficou conhecida como a Profissão de Fé de Cesaréia de Filipe: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo! E então, o ápice desta perícope – Jesus definitivamente aceita o seu título messiânico; e, mais ainda, manifesta sua filiação divina.  E a Pedro, confia a primazia para cuidar do seu rebanho e guiar os seus como primeiro na Fé.

Na nossa vida espiritual, à luz deste texto, podemos identificar duas posturas de nossa alma. A mais comum, mas imperfeita, é aquela que conhece Jesus, mas ainda não é capaz de reconhecer sua essência. Sabemos que Jesus caminha conosco, ele é especial, mas não sabemos aproveitar sua natureza que poderia nos proporcionar grandes dádivas espirituais. Nesta passagem evangélica os discípulos não tinham a percepção de quem era Jesus dado o fato de esperarem um Messias que instauraria um reino puramente terreno e não divino; e ainda, possuíam dúvidas sobre a Ressureição.

Esperamos muitas vezes que Nosso Senhor resolva os nossos problemas, facilite os nossos discernimentos, mostre o caminho mais fácil. Usamos e abusamos de Nosso Senhor como aquele que está para nos servir vinte e quatro horas do dia como um faz tudo. Somos mesquinhos e não temos a santa ambição de aspirar os dons mais altos que Jesus pode nos oferecer. Fechamos os nossos olhos ao Jesus que queremos ver. Falta-nos a Fé que superabundou em Pedro naquele momento em Cesaréia de Filipe.


E vós, quem dizeis que eu sou?’ Simão Pedro respondeu: ‘Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo.’ Respondendo, Jesus lhe disse: ‘Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu.


Pedro vai mais além do que o povo, sabe que Jesus é muito mais do que um profeta – Jesus é o Cristo, o ungido de Deus e Filho deste mesmo Deus. Pedro, com uma fé firme, não tem medo de proclamar aquilo que lhe foi revelado. Sim, Deus Pai concedeu a Pedro compreender este mistério, como nos diz Jesus no evangelho de hoje, e este não guardou para si, mas proclamou para que os outros onze escutassem

Sem dúvida, a confissão de Pedro não significa que a sua fé já fosse perfeita. De fato, pouco depois, vemos Pedro querendo afastar Jesus da Paixão[1], e recebendo, por isso, a recriminação do Mestre. A vida de fé sempre pode crescer. Pedro seguirá lutando contra o medo, contra uma visão excessivamente humana da sua missão, contra certa ignorânciado valor da cruz e do sofrimento. Até perguntará sobre uma possível recompensa para aqueles que, como ele, deixaram tudo para seguir ao Senhor[2], se assustará no Tabor e, inclusive, negará o Senhor[3]. Em todos esses casos, o Príncipe dos Apóstolos saberá voltar para Jesus. Aceitará suas repreensões, buscará o seu olhar, confiará na sua misericórdia.

A fé é um caminho de humildade, que implica “confiar-se a uma mor misericordioso, que sempre acolhe e perdoa, que sustenta e orienta a existência, que se manifesta poderoso em sua capacidade de endireitar o torcidoda nossa história[4]. A fé é conhecimento verdadeiro, luz, que também nos torna conscientes da própria pequenez, e destrói as falsas concepções e os autoenganos.



Quando confessou sua fé em Jesus, Pedro não o fez por suas capacidades humanas, mas porque tinha sido conquistado pela graça que Jesus irradiava, pelo amor que sentia em suas palavras e via em seus gestos: Jesus era o amor de Deus em pessoa!

 A fé nos torna humildes e simples: prepara esta matéria prima de que Deus precisa para fazer-nos santos, para que oajudemos a transformar o mundo. E assim, “Pedro tem que aprender que é débil e precisa do perdão. Quando finalmente cai em si e entende a verdade de seu coração fraco de pecador que crê, desata em um chorode arrependimento libertador. Depois desse pranto já está pronto para a missão[5]

O Senhor se revela a nós, mas precisamos reconhece-loe professar com um ato de Fé que Ele é o Cristo, o Filho do Deus vivo! A nossa Fé não será a das maiores no início, mas crescerá se soubermos dar a abertura verdadeira e sincera a Deus. Assim teremos ao nosso lado não um Jesus qualquer; mas Jesus Cristo, Filho do Deus vivo, que nos proporcionará a graça de nos capacitar com seus dons, nos amar, nos preparar para a missão como fez com Pedro e a nos conduzir ao seu verdadeiro Reino.

Recorramos todo dia a São Pedro, com mais fé e admiração, para que interceda por nós; Sancte Petre, ora pro nobis!


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[1] Cfr. Mt 16, 22.

[2] Cfr. Mt 19, 27.

[3] Cfr. Mt 26, 33-35.

[4] Francisco, Carta enc. Lumen fidei, 29-VI-2013, n. 13.

[5] Bento XVI, Audiência geral, 24-V-2006.

[1]Cf. Mateus 13, 16-20.