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Especial Virtudes Cardeais 04 – “A Decisão: O coração de prudência”

Se já falamos da reflexão (o alimento da prudência – a necessidade de bem pensarmos sobre a questão antes da ação) e do(a) juízo/consciência (a ponderação dos valores morais das ações), agora vamos refletir um pouco sobre o que podemos dizer ser a alma, o coração, o cerne da prudência: a decisão.

Santo Tomás ensina que o “ato principal” da prudência é “comandar, que consiste em aplicar o conhecimento ao desejo e à ação”[1]. Comandar é determinar-se a agir – e tal comando e determinação brotam, necessariamente, da decisão.

Vejamos, em breves instantes, o quanto a decisão é importante para a nossa vida espiritual: “que importa muito (…) ter uma grande e muito determinada determinação [decisão] de não parar até chegar à perfeição, venha o que vier, suceda o que suceder, trabalhe-se o que se trabalhar, murmure quem murmurar, quer lá se chegue, quer se morra no caminho”[2]. Em outras palavras, para trilharmos o caminho da perfeição, Santa Teresa d’Ávila nos indica a necessidade de uma decisão firmíssima – sermos santos como o Pai é Santo.[3]

Esta decisão fundamental, certamente nos revela a importância de cada uma das nossas disposições ao longo do caminho. Elas não apenas demonstrarão, em nossa realidade, a profundidade e a firmeza daquela primeira decisão, mas são para ela, igualmente, sustento e força.

Sendo a decisão o coração do prudente, podemos concluir, também, que o imprudente não é apenas aquele que decide mal, ou pelo mal, mas igualmente aquele que não decide: e desta enfermidade padecemos muitos mais de nós, do que da primeira.

A nossa negligência nos desvia do caminho de perfeição tal qual decidir pelo mal moral – porque não deixa de ser uma escolha! O próprio Cristo nos diz: “Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos. Porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; era peregrino e não me acolhes­tes; nu e não me vestistes; enfermo e na prisão e não me visitastes”,[4] e, ingênuos, podemos pensar que nossa indiferença não nos prejudique.

Não apenas a negligência pode viciar a nossa decisão, mas também o falso querer, o protelar, a hesitação, a angústia e o medo! Sobre estes últimos, pedimos bastante atenção: quantas e quantas vezes não nos deparamos com a incapacidade de decidir, por nos encontrarmos aflitos e temerosos com as situações pelas quais passamos?

Nestes momentos, devemos reconhecer as nossas limitações diante de Deus e deixa-lo ocupar o lugar que lhe é devido: o nosso coração. Recordando São Francisco de Assis, se algo rouba a paz do nosso coração é porque ocupou o lugar de Deus. Então, antes de qualquer decisão, é preciso deixa-Lo reinar! Dar-Lhe o trono de nossas vidas! Assim, estaremos seguros de que é COM Ele, POR Ele e PARA Ele que decidimos.


[1] Suma Teológica, IIa IIae, q. 47, 8 c

[2] Caminho de Perfeição 21, 2

[3] Mt 5, 1-12

[4] Mt 25, 41-43

Baú da Fé 63 – São José e o porquê de devermos venerá-lo

Pai adotivo de Nosso Senhor, Esposo Casto da Virgem Maria e Protetor da Sagrada Família. Estas são apenas algumas denominações utilizadas para descrever o Glorioso São José, que é também o Padroeiro Universal da Igreja Católica1.

Não à toa, em 1889, o Papa Leão XIII escreveu a Encíclica Quamquam Pluries, propondo São José como modelo para as famílias cristãs, modelo de esposo e de pai. Por isso, confira nesse texto qual o papel desempenhado por São José e qual o motivo de ser tão venerado pela Igreja Católica.

Segundo o Evangelho de São Mateus2, José é descrito como homem “justo”, que na cultura judaica significava tratar-se de um homem que é exemplo para os demais, que os educa com a sua vida e testemunho.

No hebraico, a palavra “justo” é designado por tsadiq:

No pensamento hebraico, o tsadiq é aquele que reconhece o fundamento absoluto da Lei e seu valor moral. […] Mas, quando educa, cria o povo pela abrangência de sua presença, pela integridade de sua caminhada, esse homem passa a ser um tsadiq, um fiel com disposição e potência de realizar e esclarecer o povo sobre a justiça e a fidelidade do amor de Deus3.

Diante da gravidez pré-matrimonial4 de Maria, que lhe havia sido prometida em casamento, José prefere abandoná-la em vez de denunciá-la, uma vez que se tratava de uma jovem que havia engravidado antes do casamento, tendo ele colocado sua reputação de homem justo em jogo para proteger a jovem Maria, mesmo antes da comunicação do Anjo em sonho5, mostrando toda a nobreza de seu coração.6

Frisa-se que antes da comunicação do Anjo a São José, ele não tinha conhecimento de que aquela criança que Nossa Senhora carregava em seu ventre eram o Verbo Encarnado e o Filho de Deus, o que aumenta ainda mais a nobreza de seu gesto, por fazê-lo de livre vontade, sem interesse nenhum.

Por esta razão, além de ser considerado justo perante os homens, o Glorioso São José também se mostrou justo perante Deus Pai, que lhe deu a mão de Nossa Senhora para que pudesse tomá-la como esposa, confiando-lhe a árdua função de desempenhar o papel de pai adotivo de Nosso Senhor e Esposo da Virgem Maria.

São José foi pai verdadeiro de Jesus, não pela carne, mas pelo coração; protegeu o Menino das mãos assassinas de Herodes o Grande, e ensinou-lhe o caminho do trabalho. O Senhor não se envergonhou de ser chamado “filho do carpinteiro”. Naquela rude carpintaria de Nazaré Ele trabalhou até iniciar Sua vida pública, mostrando-nos que o trabalho é redentor.7

Ora, é impossível que Deus Pai, por ser onisciente, confiasse a guarda da Virgem Maria e a função de proteger Seu Filho a um homem que não fosse honrado e justo. Se Ele A honrou8, também honrou ao Glorioso São José, por entregar-lhe Nossa Senhora9.

Não obstante, além de ser considerado justo perante os homens e perante Deus, o Glorioso São José também nos mostra a importância da obediência e humildade para com os desígnios do Pai, demonstrada de maneira expressa no texto bíblico, através do Evangelho de São Mateus10, ao passo que, mesmo com a gravidez pré-nupcial da jovem Maria, tendo o Anjo determinado que São José recebesse aquela jovem como esposa, “pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo”, ele assim o fez.

No icônico livro Palestras Íntimas, São Francisco Sales ressalta a figura do São José como o servo que se entrega inteiramente na Divina Providência:

Convém passar agora à terceira consideração, que é uma observação que fiz sobre a ordem que o Anjo deu a São José; que tomasse o Menino e a Mãe e fosse para o Egito e lá ficasse até que o avisasse que podia voltar. Na verdade o Anjo foi bem lacônico e tratou São José como bom religioso: “Vai, e não voltes sem que eu o diga”. Por esta maneira de proceder entre o Anjo e São José, ensina-se-nos, em terceiro lugar, como nós devemos embarcar no mar da Divina Providência, sem víveres, sem remos, sem velas, enfim sem provisões de espécie alguma […]

Não teria o pobre São José tido razão para replicar? – Dizeis-me que parta; mas há de ser já? – Imediatamente; para nos mostrar a prontidão que o Espírito Santo requer de nós, quando nos diz: Surge, levanta-te, saindo de ti mesmo e de tal imperfeição. Ai! Como o Espírito Santo detesta demoras e dilações!11

Além das considerações acima, Deus designou-lhe para que desse à criança o nome de Jesus, fazendo-O descendente da linhagem de Davi, como era necessário para cumprir as promessas divinas, conforme lhe havia dito o Anjo: “Ela dará à luz um filho e tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados”.12

Para além do exposto, o Padroeiro Universal da Igreja também é conhecido como o “santo do silêncio” porque não é conhecido por palavras pronunciadas por ele, mas sim por suas obras, sua fé e seu amor por Jesus e seu santo matrimônio, vivendo de maneira como havia ensinado São João Batista: “É preciso que Ele [Jesus] cresça e eu diminua” (Jo 3,30).

Na homilia de 19 de março de 2014, dia dedicado ao Glorioso São José, o Papa Francisco exaltou a figura deste grande Santo, tendo definindo sua principal característica como a de ser custódio, segundo o Sumo Pontífice, merecendo todo o reconhecimento e devoção.13

Em uma de suas obras, Santa Teresa D’Ávila, doutora da Igreja, dá testemunho de sua devoção a São José, recordando uma enfermidade que a atingiu enquanto era jovem:

Quando vi o estado a que me tinham reduzido os médicos da terra e estando tão enferma em tão jovem idade, decidi recorrer aos médicos do céu e pedir-lhes a saúde […]

Tomei então por meu advogado e patrono o glorioso São José e a ele me confiei com fervor. […] Não me lembro de ter jamais lhe rogado uma graça sem a ter imediatamente obtido. E é coisa que maravilha recordar os grandes favores que o Senhor me fez e os perigos de alma e corpo de que me livrou por intercessão deste santo bendito.14

Diante disso, clamemos pela intercessão de São José como protetor de nossa família, de nossa vida, de nossa alma; peçamos que ele interceda por nós e nos guarde, como fez com Nossa Senhora e com Jesus, reconhecendo sua grandeza perante o Pai, e tomando-o como exemplo a ser seguido em nossa caminhada cristã. São José, Padroeiro Universal da Igreja, rogai por nós.


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1. Decreto Quemadmodum Deus, de 8 de dezembro de 1870. Acta Pii IX, t. 5, Roma 1873.

2. Cf. Mt. 1, 18-19 “Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Que estando Maria, sua mãe, desposada com José, antes de se ajuntarem, achou-se ter concebido do Espírito Santo. Então José, seu marido, como era justo, e a não queria infamar, intentou deixá-la secretamente.”

3. José: Referencial para o homem de hoje. Cassiano R. Azevedo. Edições Shalom.

4. O casamento no Judaísmo é visto como um vínculo contratual entre um homem e uma mulher, através do qual eles se unem para criar uma família. Na lei judaica, um noivado (irussím) é um contrato entre um homem e uma mulher e onde se comprometem a se casar em algum momento futuro e as condições em ele deverá ser realizado. A promessa pode ser feita pelas partes pretendentes ou por seus respectivos pais ou outros parentes em seu nome. A gravidez de Nossa Senhora ocorre justamente neste intervalo entre a promessa feita e as núpcias de fato.

5. Cf. Mt. 1,20

8. Cf. Lc. 1, 30

9. Cf. Mt. 1, 20

10. Cf. Mt. 1, 20-24

11. SALES, São Francisco. Palestras Íntimas: segundo os antigos manuscritos publicados pela Visitação de Annecy. 1ª ed., São Paulo, 2018. p. 69/70

12. Cf. Mt 1,21

14. Testemunho sobre São José em ‘Vida de Santa Teresa’, VI, 5-8. Disponível em: https://pt.aleteia.org/2017/03/20/sao-jose-nao-me-lembro-de-ter-jamais-lhe-rogado-uma-graca-sem-a-ter-imediatamente-obtido/ .

Buscando a Verdade 22 – O que é o fenômeno da Transverberação?

Nos Carmelos Teresianos, assim como nas Dioceses de Ávila e Salamanca (na Espanha) celebra-se em 26 de agosto a Festa da Transverberação de Santa Teresa. Esta grande Doutora da Igreja nos narrou em seus escritos, verdadeiros testamentos de sua doutrina, as experiências místicas por quais sua alma passou: “Vi que trazia nas mãos um comprido dardo de ouro, em cuja ponta de ferro julguei que havia um pouco de fogo. Eu tinha a impressão de que ele me perfurava o coração com o dardo algumas vezes, atingindo-me as entranhas. Quando o tirava, parecia-me que as entranhas eram retiradas, e eu ficava toda abrasada num imenso amor de Deus”, descreveu Santa Teresa.

Mas, afinal, o que vem a ser o fenômeno da Transverberação?

A transverberação é uma graça extraordinária que alguns santos como Santa Teresa de Jesus, São João da Cruz e São Padre Pio receberam.

Durante esta experiência mística, o coração da pessoa escolhida por Deus é transpassado por uma flecha misteriosa ou um dardo que, ao penetrar, deixa atrás de si uma ferida de amor que queima enquanto a alma é elevada aos níveis mais altos da contemplação do amor e da dor. Quando a santa partiu para a Casa do Pai, a autópsia revelou que no coração de Santa Teresa estava a cicatriz de uma grande e profunda ferida.

Nos narra a santa carmelita: “A dor era tão grande que eu soltava gemidos, e era tão excessiva a suavidade produzida por essa dor imensa que a alma não desejava que tivesse fim nem se contentava senão com a presença de Deus”. E sobre a dor: “Não se trata de dor corporal; é espiritual, se bem que o corpo também participe, às vezes muito. É um contato tão suave entre a alma e Deus que suplico à Sua bondade que dê essa experiência a quem pensar que minto”, explicou a Doutora da Igreja.

São Padre Pio, também nos deixou relatos desta experiência. Vejamos:

“Eu estava escutando as confissões dos jovens a noite, no dia 5 de agosto quando, de repente, me assustei grandemente ao ver com os olhos de minha mente a um visitante celestial que se apareceu frente a mim. Em sua mão, levava algo que parecia como uma lança larga de ferro, com uma ponta muito aguda. Parecia que saia fogo da ponta. Vi a pessoa fundir a lança violentamente em minha alma. Apenas pude queixar-me e senti como que se morresse. Disse ao menino que saísse do confessionário, porque me sentia muito enfermo e não tinha forças para continuar. Este martírio durou sem interrupção até a manhã do dia 7 de agosto.”


Reflexos de Salvação 38 – É desatino pensar que havemos de entrar no céu sem primeiro entrar em nós mesmos

Muito nos alegra momentos de oração calorosos, que fazem as nossas mãos suarem, o coração abrasar e disparar, as pernas bambearem. Nessas horas, temos a plena convicção da presença de Deus ao nosso redor, dentro de nós. Porém, pouco significa tudo isto quando se trata de fortalecer uma vida espiritual, de edificá-la sobre a rocha: firme, decidida, inabalável.

Pouco se fala das noites escuras que sacudiram e atormentaram a vida de tantos santos da Igreja. Momentos em que se faz presente a aridez de um coração sem ânimo para clamar e suplicar o Espírito Santo. Sem vontade de estar na presença de Deus porque, por vezes, acha que é autossuficiente ou até duvida de Sua real presença: o Deus presente, que ampara nossos passos e nos acolhe em Seu regaço de Pai, não conseguimos mais enxergar. Muitas vezes, o que vemos é um Deus silencioso e distante, a quem não conseguimos mais dirigir a palavra.

Por todos esses momentos passou a grande santa e doutora da Igreja que hoje celebramos. Tereza de Cepeda e Ahumada, nascida em Ávila no ano de 1515, foi criada em berço católico, rodeada de pais e irmãos virtuosos. Seus pais a ensinaram a vida dos santos e a pequena menina logo se apaixonou pelos grandes mártires da Igreja.[1]

Perdendo a mãe ainda muito jovem, a pequena e seus irmãos cresceram rodeados de familiares, tios e primos, que lhe faziam visitas constantes. Tereza, na juventude, foi muito influenciada por uma prima, por quem começou a envaidecer-se com sua beleza e a frequentar lugares e se envolver com pessoas que a afastaram do caminho da santidade.

Seu pai, preocupado, a colocou no Convento das Agostinianas. Lá, Tereza voltou novamente seus olhos para Deus e cresceu muito em sua vida de oração. Mesmo relutando um pouco no início[2], se decidiu pela vida religiosa pois tinha em mente que seu maior desejo era ir para o céu, e se tornando monja seria mais fácil alcançá-lo.

Após dois anos obedecendo o pai que não aceitava sua entrada no convento, Tereza foge e, aos 20 anos, entra no Convento das Irmãs Carmelitas da Encarnação de Ávila. Adoeceu, logo após seus votos, de uma doença misteriosa que a fez passar 3 longos anos desacreditada, chegando a um estágio de coma. Sua cura se deu por milagre Divino pela intercessão de São José.

Eis que chegou, então, uma fase da vida de Tereza que poucos relatam com detalhes e se aprofundam em entender. Passado esse episódio de enfermidade, a freira perde o gosto pela oração, se restringindo somente à oração com o coro, em comunidade com as outras irmãs: –  “Foi a maior tentação que tive”.

Pela santa ter entrado no Carmelo antes da reforma[3], as monjas tinham fácil acesso aos amigos e familiares, tendo permissão de conversar com o dia todo, se assim desejassem.  Tereza começou a conviver novamente com seus familiares distantes que a levaram, na adolescência, à perdição de sua alma. Com o coração pesado pelos pecados que carregava por não ter preservado seu recolhimento, a moça se sentia indigna de estar na presença de Deus: “(…) Como os pecados aumentaram, o gosto e a alegria da prática das virtudes começaram a escassear. Eu via muito claramente, Senhor meu, que tudo isso me faltava por eu faltar a vós”

Levou, desta forma, muitos anos de sua vida no Convento. A vida espiritual de Tereza, inundada pela mediocridade, a fez ter crises de fé, crises de sua vocação. A santa buscava aconselhar-se e confessar-se com padres que frequentavam o mosteiro, mas não foram o suficiente para arrancar o mal pela raiz.

Com a morte do seu pai, a monja decidiu confessar-se com o padre que acompanhava a caminhada espiritual do então falecido. Tal confissão foi como um oásis no deserto do coração de Tereza; todavia; o oásis não é um termo de caminhada, é um ponto de parada. A caravana da vida espiritual da santa prosseguiu.[4] Entre a luta contra a vida de pecado, tentando alcançar novamente uma vida na graça, a pobre monja seguiu mais dez anos de sua vida.

Então, a alma desta querida freira – por quem Deus possuía um apreço enorme –  recebeu de uma vez por todas a graça de voltar para casa do Pai. Para o lugar que tanto a fazia lastimar-se de ter saído. Ao entrar em um oratório, deparou-se com a imagem de Jesus com as mãos atadas, coberto por sangue, chagado de Amor. A santa em oração questionou porque tanto sofria o seu Bom Deus e Ele colocou então no seu coração que cada marca de sofrimento impressa em sua carne adivinha das quedas inúmeras que ela mesma insistia em permanecer. Daí Tereza d’Ávila determinou-se, de uma vez por todas, a retornar à vida de intimidade e recolhimento que tanto a fazia falta, que tanto almejava perseverar.

Para a sustentar nesse resgate do fundo desse abismo que se encontrava sua alma, a obra de Santo Agostinho “Confissões” foi o seu livro de cabeceira, que fortaleceu sua decisão e lhe ajudou a não mais cair naqueles pecados que assombravam seu passado. Começaria então a fase mística de sua vida.

Aos 40 anos de idade, Tereza de Jesus só fez crescer em graças e virtudes. A ela foram confiados muitos feitos para o bem da Santa Igreja. Esta santinha impulsionou a reforma do Carmelo fundando o mosteiro das Carmelitas Descalças, vivendo na radicalidade de uma vida alicerçada na clausura e na oração.

Com esta grande santa do século XVI, aprendamos a perseverar nos momentos de fraqueza espiritual, a não nos afastar e nos fechar à misericórdia de Deus. Aprendamos que não se conserva e constrói uma vida de santificação apenas com orações e grandes eventos comunitários, mas sim com uma vida de oração constante na intimidade e no recolhimento pessoal.

É necessário sucumbir nossas vontades e desejos para insistir no sustento da fé que professamos, pois se nos apegarmos somente à sensações e sentimentos, ela logo será sufocada pelas garras do pecado e nossa alma profundamente iludida pelas propostas deste mundo. Nosso Senhor revelou a Tereza que sua oração mais sincera teria sido feita em um dia no qual a moça não sabia o que dizer ou como rezar, mas mesmo tentada a não fazer, se pôs na frente do sacrário e contou os tijolos da parede. Tudo isso para ser fiel em estar na presença de Deus no horário que diariamente o fazia.

Que possamos ter a determinação[5] de tão grande santa para decidirmos pela vida da graça, pelo Deus uno e trino, todos os dias. Peçamos insistentemente a intercessão de Santa Tereza d’Ávila para que não nos falte forças para persistir e caminhar em busca da santidade, jamais nos afastando da presença de Deus. Santa Tereza de Jesus, rogai por nós!

[1] Chegou, um dia, a querer fugir com seu irmão mais novo para o oriente, para lá ela também morrer mártir. Tereza tinha nutria tal desejo porque sonhava com as recompensas que receberia no céu, e na sua cabeça, essa era uma forma segura de que iria recebê-las;

[2] A santa leu muitos romances na adolescência que a encantaram quanto ao matrimônio fazendo-a pensar ser sua vocação;

[3] Que a mesma impulsionaria anos depois;

[4] Cf. https://fradescarmelitas.org.br/noites-escuras/

[5] Cf. https:// padrepauloricardo.org/episodios/o-caminho-da-perfeicao

Sala de Imprensa 10 – Ano Jubilar Teresiano é aberto em Ávila para recordar a grande Madre dos Carmelitas Descalços

No último dia 15 de outubro, na cidade de Ávila, mais de 2.600 pessoas acompanharam a abertura do ano jubilar em honra de Santa Teresa d’Ávila. A celebração eucarística foi presidida pelo Cardeal-Arcebispo de Valladolid, Dom Ricardo Blázquez (que também é presidente da Conferência Episcopal Espanhola). Em sua homilia, o prelado agradeceu ao Papa Francisco por esta oportunidade

Como uma “autoridade espiritual”, assim definiu o Cardeal a santa espanhola, “uma mãe que merece ser escutada, que nos alimenta com o pão da inteligência e nos dar de beber da água da sabedoria”. Querendo incidir no aspecto da oração que nos deixou Santa Tereza de Jesus, continuou ele:  “A oração é o despertar da fé que muitas vezes é letárgico (…) é o respirar que oferece oxigênio a fé. Orando, sopramos sobre as cinzas que escondem a fé para aquecer o fogo escondido e aquecer a chamada apagada (…) a oração não é auto-absorção complacente, mas nos abre para o amor e ao serviço dos demais” como Santa Teresa insistia a sus monjas.[1]

Santa Teresa é considerada umas das mais importantes mestras da espiritualidade. Foi responsável pela reforma na Ordem dos Carmelitas, fundando o ramo dos Carmelitas Descalços, a partir da Ordem do Carmo. Foi no século XVI que Teresa começou o processo de reforma do carisma, com base em seu caminho de perfeição, buscando manter a Regra do Carmo em sua forma mais original.

Numa noite do mês de setembro de 1560, Teresa de Ávila decidiu reunir um grupo de freiras na sua cela e, tomando a inspiração primitiva da Ordem do Carmo e a reforma descalça de São Pedro de Alcântara, propôs-lhes a fundação de um mosteiro de tipo eremítico. Em 1562 é, então, fundado um novo mosteiro (que foi especialmente dedicado a São José). Por seu lado, em Duruelo, São João da Cruz e António de Jesus fundaram também um novo e primeiro convento masculino destinado aos frades Carmelitas Descalços. Em 1593, o Papa Clemente VIII concedeu total autonomia ao ramo dos Carmelitas Descalços.

Para um carmelita descalço, a oração é um momento profundamente teológico. É guiada pela experiência de vida e pelos ensinamentos deixados por Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz, e ainda seguida pelo mesmo exemplo deixado por outros santos carmelitas como Santa Teresinha do Menino Jesus e da Santa Face, Santa Isabel da Trindade, Santa Teresa de Jesus dos Andes, e mártires como Santa Teresa Benedita da Cruz entre outros. Cada dia é marcado pelo silêncio (para que se possa criar um ambiente adequado a uma casa de oração) e, além da celebração diária da Liturgia das Horas, pelo menos duas horas ficam reservadas para uma oração silenciosa e ininterrupta.

A vida no Carmelo deve ser sempre bem equilibrada: as comunidades masculinas e femininas de religiosos carmelitas deverão manter-se razoavelmente pequenas para que se possa criar uma genuína atmosfera de fraternidade e de partilha.

Enquanto que as comunidades masculinas de padres ou frades carmelitas possuem um carisma contemplativo e apostólico (à semelhança de Jesus que viveu a oração no deserto e o ministério da piedade junto das multidões), no caso das freiras carmelitas descalças, estas possuem um carisma essencialmente contemplativo e de clausura. Em ambos os casos, porém, o seu projeto de vida enquanto Carmelitas Descalços é, primeiramente, prestarem um serviço à igreja inteira. De resto, a sua vida é igualmente marcada por um compromisso sério de estudo e conhecimento do coração humano, e marcada pela crescente sensibilidade pessoal e espiritual.

[1] Original em espanhol. Tradução nossa.