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Especial Virtudes Cardeais 03 – “A Consciência: juíza das nossas ações”

Tendo visto a importância fundamental da “reflexão” no agir do prudente, agora é necessário adentrarmos no seu segundo ato formal: o juízo moral. Talvez nesses termos seja difícil compreender, mas, de forma muito prática podemos nos questionar “quem vai dizer qual é o nosso verdadeiro bem?”.

Rapidamente, nós, que buscamos fazer a vontade do Senhor, poderíamos responder: Deus. Mas, se observarmos bem as decisões tomadas do nosso dia a dia, perceberemos que a sentença, stricto sensu, não vem d’Ele. No final das contas, nós mesmos somos os primeiros juízes de nossas ações… é a nossa própria consciência quem julga se o que fizemos ou faremos é bom ou mal. Todavia atentemos: isso não quer dizer que o nosso juízo é justo[1]. Parece paradoxal, mas não se preocupe… Veremos tudo isso muito em breve. Por ora, recorramos novamente ao catecismo[2] para entendermos bem o que é, exatamente, a consciência.

“A consciência moral é um julgamento da razão pelo qual a pessoa humana reconhece a qualidade moral de um ato concreto que vai planejar, que está a ponto de executar ou que já praticou”.

Podemos perceber, facilmente, que a consciência é a juíza dos nossos atos, mas, assim como os juízes do mundo são passíveis de erros – por falta de estudo, pela equivocada interpretação de uma lei, ou tantos outros motivos – a nossa consciência, se não for devidamente iluminada, também pode julgar equivocadamente o que é bom do que é mal.

A nossa consciência não “cria” a bondade dos nossos atos. Não é porque julgamos ter feito o bem que efetivamente o fizemos. Em outras palavras, há uma verdade objetiva com a qual devemos confrontar as nossas ações e julgamentos, mas muitos pensam que basta que a “sua consciência” aprove algo para que isso fique sendo certo. Transformam assim a sua “convicção” subjetiva, não autenticada pela Verdade, num “deus” que sempre acerta e que deve ser acatado contra tudo e contra todos.[3]

Assim, viramos reféns de nossas próprias consciências, do subjetivismo, do politicamente correto, das ideologias… e caímos no pecado de nossos pais. Só a consciência bem formada “formula seus julgamentos segundo a razão, de acordo com o bem verdadeiro querido pela sabedoria do Criador”[4].

Então como educar a nossa consciência? Vejamos, novamente, o que diz o Catecismo[5]:

  • Leitura e meditação frequente da Palavra de Deus;
  • Exame de consciência diário;
  • Pedir sempre a assistência do Espírito Santo;
  • A direção espiritual e o testemunho dos irmãos;
  • Estudo da sã doutrina católica;

Em 1833, o futuro cardeal Newman, cada vez mais próximo da sua conversão ao catolicismo, escreveu o seguinte verso: “Eu antes gostava de escolher e compreender o meu caminho. Agora, pelo contrário, eu oro: Senhor, guia-me Tu”.

Bento XVI, em uma conferência sobre “Consciência e Verdade” comentava essa atitude: “O específico do ser humano, enquanto ser humano, não consiste em interrogar-se a si mesmo sobre o “poder” [o que eu posso fazer], mas sobre o “dever” como abertura da alma à voz da verdade e das suas exigências […]. O jugo da verdade é “leve” (Mt 11,30), dado que a Verdade – Jesus – veio, amou-nos e queimou as nossas culpas no seu amor. Só quando conhecemos isso e o experimentamos interiormente é que somos livres pra escutar com alegria e sem ansiedade a mensagem da consciência”[6]

Que os juízos da nossa consciência sejam sempre retos, e possamos cantar com o salmista[7]:

Concedei a vosso servo esta graça: que eu viva guardando vossas palavras.

Abri meus olhos, para que veja as maravilhas de vossa Lei.

Peregrino sou na terra, não me oculteis os vossos mandamentos.

Consome-se minha alma no desejo perpétuo de observar vossos decretos.

Repreendestes os soberbos; malditos os que se apartam de vossos mandamentos.

Livrai-me do opróbrio e do desprezo, pois observo as vossas ordens.

Mesmo que os príncipes conspirem contra mim, vosso servo meditará em vossas leis.

Vossos preceitos são minhas delícias, meus conselheiros são as vossas leis.


[1] CIC 1786 – “Colocada diante de uma escolha moral, a consciência pode emitir um julgamento correto de acordo com a razão e a lei divina ou, ao contrário, um julgamento errôneo que se afasta delas”

[2] CIC 1778

[3] Pe. Faus, A virtude da prudência – a arte de decidir bem.

[4] CIC 1783

[5] CIC 1785

[6] Conferência sobre “Consciência e Verdade”, de 17/02/2013,

[7] Sl 118, 17-24

Especial Virtudes Cardeais 02 – “Reflexão: o alimento da prudência”

No primeiro texto desta série, vimos que a prudência é uma razão prática, ou seja, é o raciocínio que se ocupa com o que devemos fazer em vista de algum fim. Não simplesmente um pensamento hipotético, mas uma reflexão que almeja a efetiva ação. Vejamos, nas palavras de São Tomás de Aquino[1]:

“Ora, três são os atos da razão. O primeiro é aconselhar, próprio da invenção, pois aconselhar é indagar, como já estabelecemos. O segundo ato é julgar as cousas descobertas; e a isso se limita a razão especulativa. Mas a razão prática, que ordena para a obra, vai além e tem como terceiro ato mandar, ato consistente na aplicação à obra do que foi aconselhado e julgado.”

Assim, percebemos que o primeiro movimento da prudência é, objetivamente, a reflexão, que se torna a sustentação de todos os seus demais atos, o alimento que nutre todo o agir do homem prudente. Noutras palavras, se um bom terreno providencia, à semente, todo o necessário para germinar e crescer, numa reflexão bem feita, o homem encontra a potência para bem discernir, atuar e atingir o fim para o qual foi criado[2].

Todavia, diante de um mundo extremamente efêmero, que valoriza sempre a quantidade, e não a qualidade, a aparência e não a substância, saltamos de um fazer a outro fazer, sem tomarmos o devido tempo para refletir. É preciso parar e aprender a pensar: aprender a usar bem a nossa razão, dom de Deus ao homem, sua criatura predileta.

É evidente que muitas vezes as nossas decisões precisam ser imediatas, precisamos responder aqui e agora – mas certo é que um homem habituado à reflexão, auxiliado sempre pela graça, torna-se um homem prudente e, por mais breve que seja o tempo para sua oração e decisão, age sempre visando o sumo bem.

Aqui já vemos uma das primeiras dificuldades para uma boa reflexão: a afobação da urgência, quando não a própria preguiça de pensar. Enquanto algumas vezes efetivamente somos ‘forçados’ a decidirmos com rapidez, na grande maioria delas a culpa é nossa, pois não ordenamos o nosso dia, adiamos a reflexão ou, ainda, permitimo-nos levar pelos sentimentos de angústia e ansiedade.

É muito importante aprofundarmos neste ponto pois, em diversas ocasiões, pensamos em meio à ansiedade, angústia e aflição, mas estes sentimentos facilmente encampam o raciocínio e, no fim das contas, como naturalmente nosso corpo busca se afastar daquilo que o faz penar, a nossa decisão termina se voltando para cessar o sofrimento e não para o verdadeiro bem.

A serenidade do coração é fundamental para uma boa reflexão. É preciso refletir sob a luz de Deus e não sob a luz dos sentimentos! É na vossa luz que vemos a luz[3]. Trata-se disso: de pedir a luz do Espírito Santo, de examinar o que devemos resolver sob o resplendor da verdade de Deus, de sua palavra, de seus mandamentos, acolhidos num coração sincero.[4] Assim, munidos dos pensamentos de Deus, poderemos dar os próximos passos num discernimento reto.


[1] São Tomás de Aquino, Suma Teológica, IIa IIae, Questão 47, art. 8

[2] São João Paulo II, Audiência Geral, 25/10/1978: Assim a prudência constituí a chave para a realização do encargo fundamental que Deus confiou a cada um. Este encargo é a perfeição do próprio homem.

[3] Sl 36, 10

[4] Pe. Faus, A virtude da prudência – a arte de decidir bem.

Especial Virtudes Cardeais 01 – “No coração do prudente repousa a Sabedoria*”

Ao falarmos de prudência, automaticamente muitos de nós, numa visão míope, reduzem-na a um simples dever de cautela, o que, observando-se como um cuidado para evitar o mal, não passa de apenas um dos aspectos desta virtude cardeal.

Se o entendimento popular de prudência é, no mínimo, superficial, e, no entanto, estamos diante de uma das virtudes “que desempenham um papel de dobradiça”[1], ou seja, que todas as outras se agrupam em torno delas, é necessário mergulharmos nos ensinamentos da Igreja para bem entendermos o seu papel no progresso espiritual, na compleição do Amado e na nossa configuração a Ele.

Primeiramente, então, vejamos o que nos ensina o Catecismo da Igreja Católica sobre a virtude da prudência: “é a virtude que dispõe a razão prática para discernir, em qualquer circunstância, o nosso verdadeiro bem e para escolher os justos meios de o atingir”[2].

Há uma clara predileção da Doutrina católica por esta virtude, mas devemos, antes de mais nada, entender bem o porquê desta preferência. São Tomás de Aquino a chama de “mãe das virtudes”[3]: não que seja a maior de todas elas (a maior virtude humana é a justiça e a caridade, a maior de todas as virtudes), mas guia, orienta as outras virtude para o seu próprio fim, ajudando-as a manter-se no ponto certo: ela é auriga virtutum, literalmente, condutora (auriga, em latim) do carro das virtudes.

Agora, voltando-nos para uma reflexão trazida pelo Pe. Francisco Faus[4], devemos gravar bem estas palavras para não perdermos de vista que a prudência visa, principalmente, realizações práticas. Para isso, vejamos algumas simples consequências do bom entendimento desta firme definição do catecismo:

  • A definição começa dizendo que é uma virtude que tem como base a razão prática, não o raciocínio puramente teórico. A prudência, com efeito, visa à realização das ações sobre as quais temos que pensar e decidir, não à resolução de teoremas;
  • É uma virtude que leva a discernir, ou seja, a conhecer e distinguir claramente – limpando confusões mentais − qual é a ação certa que se deve praticar;
  • A finalidade do prudente é o “verdadeiro bem”, ou seja, ao bem moral objetivo. Ter bem firme esta visão objetiva de bem moral evita que nos percamos no discernimento das coisas, pois, senão, caindo na pura subjetividade, o bem e o mal não se poderiam distinguir;
  • Discernido o verdadeiro bem, escolhemos os meios adequados para fazê-lo. Em outras palavras, tendo escolhido “o que quero fazer”, norteado pelo bem moral objetivo, agora nos perguntamos “como vamos fazê-lo”?
  • Finalmente, com os meios bem escolhidos, chega o momento de decidir-se a agir, a fazer;

Iluminados por estas palavras, queremos conduzir você, nos próximos textos, a uma reflexão acerca dos quatro atos da prudência[5]: (1) a reflexão; (2) o juízo; (3) a decisão; e (4) a realização. Esses são os passos que, bem refletidos, transformam o conhecimento do verdadeiro bem em uma decisão que, por sua vez, conduz à união com o Esposo, que, imolado, já não morre; e, morto, vive eternamente.


* O título faz menção a Provérbios 14, 33

[1] CIC 1805

[2] CIC 1806

[3] São Tomás de Aquino, Genitrix virtutum 3, d. 33, 2, 5

[4] As reflexões deste texto foram tomadas do livro “A arte de decidir bem – a virtude da prudência”, do Pe. Francisco Faus. Nascido em Barcelona em 1931, é sacerdote da prelazia do Opus Dei. É licenciado em Direito pela Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canônico pela Universidade de São Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside, desde 1961, em São Paulo, onde exerce uma intensa atividade de formação cristã e atenção espiritual entre estudantes universitários e profissionais.

[5] São Tomás de Aquino, Suma Teológica II-II, questões 47 a 56

Especial Quaresma 01 – Quaresma: Tempo de Progresso nas Virtudes

Todos sabemos que a Quaresma é tempo de jejum, oração, esmola… práticas que nos levam, pouco a pouco, como o trigo que morre para germinar, a desenvolver plenamente a nossa vida espiritual. Quando buscamos este ‘caminho de perfeição’, paralelamente desabrocham em nós as virtudes. Mas o que seriam, então, estas virtudes?

Nos diz o Catecismo da Igreja Católica que a virtude “é uma disposição habitual e firme para praticar o bem”[1] e que pode ser classificada de duas formas distintas: as virtudes cardeais e as teologais. Hoje, falaremos um pouco das virtudes cardeais, de onde todas as outras se originam.

As virtudes cardeais, também conhecidas como morais ou humanas, são disposições estáveis da inteligência e da vontade que regulam nossas ações, ordenam nossas paixões e guiam nossa conduta segundo a razão e a fé. São conhecidas como humanas pois são humanamente adquiridas pelo esforço, ao passo que as virtudes teologais são dons infundidos por Deus na alma dos fiéis.

Mas não nos iludamos! As “virtudes humanas […] são o fundamento das sobrenaturais (teologais); e estas proporcionam sempre um novo impulso para nos desenvolvermos como homens de bem”[2]. Desta feita, é de suma importância que nos esmeremos no progresso destas virtudes em nosso cotidiano.

E quais são, portanto, as virtudes cardeais?

“A prudência dispõe a razão prática para discernir, em todas as circunstâncias, o verdadeiro bem e para escolher os justos meios de o realizar.

A justiça consiste na constante e firme vontade de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido.

fortaleza assegura, no meio das dificuldades, a firmeza e a constância na prossecução do bem.

A temperança modera a atração dos prazeres sensíveis e proporciona equilíbrio no uso dos bens criados.”[3]

Que Nossa Senhora, “modelo e escola de todas as virtudes”[4], nos auxilie nesta Quaresma, para que, no progresso das virtudes, bem nos preparemos para a Páscoa do Senhor.

[1] CIC, 1833

[2] Josemaria Escrivá, Amigos de Deus, n. 91

[3] CIC, 1835 – 1838

[4] Santo Ambrósio, Tratado sobre as virgens, 2